Sobre nós, os outros e os ideais
Será que eu realmente te entendo?
Esta reflexão me surgiu há algum tempo, quando recebia meus pacientes em meu consultório, e na época compartilhei em meu blog pessoal. Compartilho novamente aqui, pois considero muito válida para aqueles que nos procuram.
Tudo começou com uma paciente muito querida e que leva questões bem complexas e interessantes para meu consultório. Certo dia esta paciente (que me deu total permissão para escrever sobre isto hoje) me questionou sobre a foto do meu perfil pessoal do Facebook. Primeiramente ela pediu desculpas, pois disse que me procurou na rede atrás da minha página profissional, pois teve o celular roubado e gostaria de me falar sobre a sessão, e não tinha intenção de ver meu perfil pessoal. Após o pedido de desculpas me perguntou sobre uma foto, na qual apareço com vestimentas esportivas, pois sou praticante de um esporte que por ela é considerado de pessoas que possuem uma boa condição econômica. Dito isto colocou a grande problemática: ela, que se considera pertencente a uma "baixa classe social", questionou a minha capacidade de entendê-la em seus dilemas, uma vez que pertenço a uma "classe social superior".
(Coloco estas denominações de classes sociais entre aspas, pois além de me incomodarem, as enxergo como noções muito abstratas e subjetivas)
Nisso, indaguei-a sobre esta nova imagem que ela construiu a meu respeito e de como isso modificava ou não nossa relação. Ela falou de uma angústia sobre não ser corretamente interpretada, uma vez que eu, em minha posição, nunca experimentei lugares na vida ou passei por experiencias as quais ela já havia passado, e isso comprometia minha capacidade de entendê-la profundamente.
Concordei com ela no ponto em que diz que não passei pelas mesmas experiências. Afinal, duas pessoas nunca passam pela mesma experiência. Digo isso inclusive para duas ou mais pessoas que compartilham um mesmo momento: a experiência é formada não só pelas características do momento em si e pelo ambiente externo em que a pessoa se encontra, mas depende também (e muito) por como cada um vivencia este momento e se relaciona com este ambiente. Assim, duas pessoas podem passar um dia inteiro, hora a hora, minuto a minuto, tendo a mesma vivência, mas a experiência para cada uma será muito diferente, pois depende de cada subjetividade.
Entretanto discordei quando me foi dito que minhas "não experiências" limitavam minha capacidade de bem entendê-la. E digo aqui a todos que me leem: um bom terapeuta, durante a análise, abstrai em grande parte sua própria individualidade, pois naquele momento a individualidade que lhe interessa é apenas a da pessoa que está à sua frente: são suas crenças, seus valores, seus ideias e claro, suas experiências que determinam o fluxo da sessão. E não as do terapeuta.
De qualquer maneira é importante ressaltar que, de maneira geral, ter vivências parecidas pode, em muitos casos, contribuir de maneira positiva para o entendimento da experiência alheia. O exemplo da vida do migrante se encaixa muito bem aqui: compartilhar com alguém que já passou, à sua maneira, por aquilo que estou passando hoje, pode ser mais produtivo do que compartilhar com alguém que nunca esteve nesta posição. É um momento onde profundas trocas podem acontecer a elevar a conexão entre terapeuta e paciente. Mas isso não é tudo e o mais importante é a identificação que sentimos com aquele que nos escuta e o quão acolhidos nos percebemos estar.
Que este relato também nos sirva para refletirmos sobre a individualidade de todos aqueles que nos cercam e com quem nos relacionamos.
por Rachel Schatz